Lyrics

Estou cansado, pá
Cansado e parado por dentro
Sem vontade de escolher um rumo
Sem vontade de fugir, sem vontade de ficar
Parei por dentro de mim
Olho à volta e desconheço o sítio
As pessoas, a fala, os movimentos
A tristeza perfilada por horários
Este odor miserável que nos envolve
Como se nada acontecesse
E tudo corresse nos eixos
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar
Idiotas convencidos que um dia, um voto lançou pela TV
E se acham a desempenhar uma tarefa magnífica
Com requinte de filhos da puta
Sabem justificar a corrupção, o deserto das ideias
Os projetos avulso para coisa nenhuma
A sua gentil reforma e as regalias
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã
À hora do jantar, para vomitar
O escabeche de um bolo de palavras sem sentido
Filhos da puta porque se eternizam, se levam a sério
E nos esmigalham o crânio com as suas banalidades
O setor vai me desculpar
O que eu quero é mandá-los cagar
Para um campo de refugiados qualquer
Vê-los de Marlboro entre os dedos a passear o esqueleto
Entre os esqueletos
Naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca
Apenas e só, sufoca
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente com ferrete
Obediente, obediente
Estou cansado de viver
Neste mesmo pequeno país que devoram
Escudados pelas desculpas mais miseráveis
Este charco bafiento onde eles pastam
Gordos que engordam, ricos que amealham sem parar
Idiotas que gritam
Paneleiros que se agitam de dedo no ar
Filhos da puta, a dar a dar
Enquanto dá a teta da vaca do estado
Nada sabem de história
Nada sabem porque nada leem
Além da primeira página da Bola
O Notícias a Correr e o Expresso, porque sim!
Nada sabem das ideias do homem
Da democracia, Atenas e Roma
Os tribunos e as portas abertas
E a ética e o diálogo que inventaram o governo
Do povo pelo povo
Apenas guardam o circo e amansam as feras
Dão de comer à família até à diarreia
Aceitam a absolvição
E lavam as manipulas na água benta da convivência sã
Desde que todos se sustentem na sustentação do sistema
Contratualizem (ó, neologismo) o gado miúdo
Enfatizem o discurso da culpa alheia
Pela esquizofrenia politicamente correta
Quando gritam, até parece que se levam a sério
Mas ao fundo, na sacristia de São Bento
O guião escrito é seguido pelas sombras vigentes
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente com ferrete
Obediente, obediente
Estou farto de abrir a porta de casa
E nada estourar como na televisão
Não era lá longe, era aqui mesmo
Barricadas, armas, pedradas, convulsão
Nada, não há nada
Os borregos, as ovelhas e os cabrões seguem no carreiro
Como se nada lhes tocasse, e não toca
A não ser quando o cinto aperta
Mas em vez da guerra
Fazem contas para manter a fachada
Ah, carneirada
Vossos mandantes conhecem-vos pela coragem
E pela devoção na gritaria do futebol a três cores
Pelas vitórias morais de quem voa baixinho
E assume discursos inflamados sem tutano
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente com ferrete
Obediente, obediente
Estou cansado, pá
Sem arte, sem génio, cansado
Aqui presente está a ementa e o somatório
Erróneo do desempenho de uma nação
Um abismo prometido
Camuflado por discursos panfletários
Morte aos velhos! Morte aos fracos!
Morte a quem exija decência na causa pública!
Morte a quem lhes chama filhos da puta!
E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital
Mataram os sonhos
Prenderam o luxo das ideias livres
Empanturraram a juventude de teclados para a felicidade
E as famílias de consumo e consumo
Até ao prometido AVC que resolve todas as prestações
Quem casa com um banco, vive divinamente feliz
E tem assistência no divórcio
A uma taxa moderada pela putibol
Estou cansado, pá
Da surdez e da surdina
Desta alegria por porra nenhuma
Medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado
Quando te entala na fila e passa à frente
É a glória única de muita gente
Uma vida inteira
Eleitos, cuidem da oratória
Written by: António Manuel Ribeiro
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